Classificação etária para criancinhas não se molharem na cama à noite: 14 anos.
Contém: Combustível para pesadelos.
Trilha sonora, para melhorar a leitura:
http://www.listenonrepeat.com/watch/?v=f4wdlMybOGU
Boa leitura!
Agora eu moro em uma casa sem andares.
Nós tínhamos que seguir duas regras, quando morávamos no segundo piso de um velho prédio de apartamentos. A primeira era trancar bem as portas à noite e a segunda era tomar muito cuidado no topo das escadas. Os donos do prédio eram bem radicais quanto ao negócio de trancar as portas. Eles colocavam placas em todos os lugares. O cara que morava do meu lado até falava que eles, à noite, tentavam abrir as portas, só pra checar se nós tínhamos trancado a porta. É claro que se alguém perguntasse, eles falavam que não, que não iriam invadir a privacidade de alguém dessa forma. Eu nunca ouvi eles fazendo isso, mas eu sou conhecido por dormir contentemente durante um terremoto, então eu não podia ser um ponto de referência. Quanto às escadas, era só um lembrete. Eram escadas altas e complicadas de subir, e falavam que algumas pessoas já tinham morrido pela queda. É bom lembrar os outros de coisas importantes. Nada de errado nisso.
E também, eu e minha irmã vivíamos felizes ali. Leanne teve a sorte de conseguir o quarto diretamente em frente ao meu, e nós gostávamos um do outro. Sim, a gente tinha aquela rixa que os irmãos sempre tem, mas depois de um tempo, isso foi virando uma rivalidade saudável. Nós éramos felizes. Só... felizes.
Mas, as coisas não eram perfeitas. O prédio ficava em uma área em que haviam muitas tempestades, então a energia acabava direto. Meu quarto tinha um cheiro forte de sabão, o que não era a pior coisa do mundo, mas era irritante depois de um tempo. O quarto da Leanne tinha uma fechadura meio estragada, que abria sempre que alguém a forçava. Nós queríamos nos mudar, mas também queríamos ter certeza de que o outro
poderia ir também. Se nós soubéssemos, se pelo menos tivéssemos percebido o mínimo de ameaça, mas não tinha. Não tinham locais frios, não tinha calafrios, desconfortos quando passando por algum lugar, nenhum barulho estranho, tirando as maçanetas sendo forçadas no meio da noite. Nada. Não até aquela noite.
Eu acordei por sede. Muita sede. No meio da noite. Eu tentei usar minha pia, mas não tínhamos energia, então a água não estava sendo bombeada. Era irritante, mas os donos deixavam um tanque cheio no topo das escadas, em caso de algo desse jeito acontecesse. Sério, eu tinha que me lembrar de encher meu próprio jarro em caso de tempestades. Sempre que me lembrava, eu acabava deixando pra lá.
E lá fui eu, com minha lanterna, no meio dos corredores. Chegando no tanque, tinha uma iluminação ambiente, e uns raios aqui e ali, no teto de vidro que o arquiteto teve um amor muito grande, na construção do prédio. Ao chegar no tanque, comecei a encher meu jarro, quando do canto do meu olho, vi um movimento no meio das escadas. Eu olhei diretamente para a escada, e nada. É aquela sensação de você estar focado em algo, e ver coisas em volta de você.
E então, com a luz do raio, eu vi o que estava na escada.
Estava rastejando. Precisava rastejar, pois não tinha pernas. Era como um torso, cortado pela metade acima dos quadris, esticando seus braços e se puxando pra cima das escadas dolorosamente de degrau em degrau. Farrapos pretos... enrolavam aquilo, pois ele não conseguiria se vestir. O que os farrapos não cobriam, aparecia apenas um vazio. Não branco, nem preto, apenas ausência. Não consigo pensar naquilo sem meu estomago dar voltas. Não era vazio, não como o vácuo fora do nosso planeta. Isso era menos que vazio; era faminto, isso sugava, era o oposto de tudo que é material e físico.
Então, a luz do raio se apagou, mas eu ainda via sua forma ali, nas escadas, continuando e se aproximando. Quando me virei pra correr, mais um raio apareceu e, mesmo com eu tentando fugir, aquilo levantou sua cabeça e --
Me desculpe, mas eu não vou, não posso, descrever nem por fala ou por texto daquela... face, por falta de palavra melhor. Era tudo que uma face não devia ser e, desde esse momento, não havia algo tão horrível, tão horripilante, tão aterrorizante que eu havia visto desde sempre. Esse é um... triunfo, daquela noite. Eu nunca mais terei medo de algo feito pelo homem, de nada, depois do que me encarou naquela noite.
Eu corri. O que mais eu poderia fazer? Corri pro meu quarto, e comecei a mexer nas minhas chaves pra tentar trancar a porta, enquanto eu ouvia, cada vez mais alto, um arrasta-baque, arrasta-baque, que vinha das escadas. Quanto ele já tinha subido? A metade? Dois terços? Quanto faltava para ele chegar no segundo andar?
Finalmente, acertei a chave, entrei no meu quarto, tranquei a porta e desabei, toda a adrenalina desaparecendo. Não tive tempo pra pensar, quando percebi que eu ainda ouvia aquilo se arrastando, agora no nosso andar. Ainda se arrastava, e eu conseguia ouvir seus "passos" vindo diretamente ao meu quarto. A maçaneta se mexeu! Se mexeu e parou. Quando comecei a relaxar, eu ouvi a porta do lado sendo forçada, mas também estava trancada. Eu ouvi ele indo por todo o corredor tentando abrir as portas, rezando para que nenhum dos meu vizinhos tinha deixado a porta destrancada, para que ele pudesse entrar.
Então, ele voltou pelo outro lado do corredor forçando as portas. Eu só conseguia pensar: Leanne, por favor, não...
Seu movimento estava diretamente na frente do meu quarto. Eu ouvia, com esperança, rezando para a tranca funcionar.
A fechadura abriu, e a porta rangeu.
Eu não pude me controlar. Peguei a lanterna inutilmente como uma maça e abri minha porta correndo. Ao mesmo tempo, teve uma algazarra e um grito familiar vindo do início da escadaria. Eu corri em direção ao grito, com os outros vizinhos abrindo suas portas para ver o porque da barulheira. Eu tinha uma esperança de que se eu chegasse lá rapidamente, eu poderia salva-lá, ela estaria bem.
Mas não.
Lá, no fim da escadaria, amassada como um brinquedo quebrado, as marcas de mãos desaparecendo rapidamente de seus tornozelos, estava Leanne.
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Yay para a primeira Sexta feira do Horror! E aí, o que acharam? Foi legal traduzir essa história, muito tensa e que me prendia direto. Essa foi uma das melhores creepypastas que eu já li. Até mais, e bons sonhos :3